quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Impressão 3D

"Ir a uma loja deixou de ser a única solução quando Jorge Pinto quer oferecer um brinquedo novo ao seu filho de três anos e meio. Em vez disso, liga a impressora 3D que tem em casa, escolhe um modelo no computador e vê aparecer, milímetro a milímetro, um comboio, um boneco ou qualquer outra coisa que a imaginação e o software permitam.
"Acho que é uma experiência única, tanto para mim enquanto pai, como para ele enquanto filho. Isso não acontece se eu for entregar dinheiro a uma loja", diz o engenheiro, de 34 anos, um dos criadores da BeetheFirst, a impressora 3D feita em Portugal, que está à venda desde setembro, 18 meses após começar a ser desenvolvida na incubadora de empresas da Universidade de Aveiro.
Esta máquina, capaz de produzir objetos à medida dos desejos de quem a comprar, é fruto do interesse que Jorge Pinto e Francisco Mendes, de 38 anos, ambos ex-alunos da Universidade de Aveiro, partilham pela impressão 3D. Já tinham trabalhado em empresas do ramo da eletrónica, e quando se conheceram, "através de pesquisas na internet", puseram as ideias em prática. Primeiro, fundaram a BitBox, e criaram a R2C2, uma placa que controla a impressão 3D. "Porquê parar por aqui?", foi a pergunta que os conduziu à empresa seguinte, contando com mais dois sócios e o capital de um investidor privado capaz de acreditar na existência de um mercado emergente.
Assim nasceu a BeeVeryCreative, instalada num edifício junto à ria de Aveiro, onde 30 pessoas se dedicam a desenvolver utilizações para a impressora, que só agora começa a ser vendida por uma das principais cadeias nacionais de lojas de eletrodomésticos. Os dois criadores da BeetheFirst negam-se a dizer quantas já venderam – na grande distribuição ou através do site –, mas não duvidam que têm em mãos um produto de grande consumo.
"Claramente que sim. Havia dúvidas até há algum tempo", garante Francisco Mendes, sem deixar de afastar alguns mitos: "Diziam que estas impressoras serviriam para imprimir tudo lá em casa, mas não é bem assim, pois nos nossos lares há muitos materiais diferentes. No entanto, cá na empresa todas as semanas alguém se lembra de imprimir algo que nunca tinha feito antes."
Camada por camada
Quando alguém resolve imprimir um objeto na BeetheFirst acontece algo comparável com a impressão de um documento. Mas com uma diferença significativa: em vez de um tinteiro, a impressora 3D precisa de bobinas de filamento e faz tantas passagens quantas forem necessárias, camada por camada, até ao resultado final.
O tempo de impressão varia consoante aquilo que o utilizador queira ver surgir do nada. "Depende muito da geometria. Podemos fazer objetos pequenos, como a abelha do nosso logótipo, em dez minutos. Ou então demorar várias horas, dependendo da resolução em que estamos a imprimir", diz Francisco Mendes, realçando que os modelos ocos também são mais rápidos do que os mais densos.
Como as bobinas de filamento, que contêm 300 gramas de PLA, um termoplástico à base de amido de milho, só têm uma cor, fazer obras mais complexas depende da junção de várias peças. Um exemplo que os criadores da BeetheFirst gostam de apontar é o do tradicional galo de Barcelos, que necessita de componentes com quatro cores diferentes, cabendo ao coração vermelho a missão de manter tudo o resto bem encaixado.
Tendo a impressão 3D a ambição de fornecer soluções rápidas e personalizadas para necessidades com a complexidade dos implantes cirúrgicos, órgãos artificiais ou das peças para aeronáutica, imprimir artesanato tecnologicamente modificado ou "peças de suporte mais bonitas e funcionais do que as disponíveis no mercado" poderá parecer muito pouco.
No entanto, os pais da BeetheFirst concordam que há motivos de sobra para o uso doméstico. "Muitas vezes temos algo que se estraga, e que assim fica, porque não se consegue recuperar algo que se partiu. Agora é possível substituir o que está estragado por uma peça impressa", diz Jorge Pinto. Já Francisco Mendes ressalva que a impressora 3D, à venda por 2220 euros, "não serve para substituir o que se pode comprar, mas sim para fazer coisas à nossa medida, com valor acrescentado".
Alguns modelos estão disponíveis no software BeeSoft, descarregável através do site da empresa, mas não ficam por aí as possibilidades de utilização. "Há bibliotecas com modelos de uso gratuito para qualquer pessoa. Uma delas tem mais de 100 mil modelos, entre os quais posso encontrar um comboiozinho para o meu filhote. Outra opção é usar um scanner 3D, criar o modelo de um objeto e depois imprimi-lo. Ou ainda desenhar e modular um objeto do nada. Existem softwares muito técnicos, complexos e avançados para modulação e simulação de objetos para a área da mecânica, mas outros são muito simples, gratuitos e nem é preciso instalar nada no computador. Alguns adolescentes, sem grandes conhecimentos, conseguem utilizá-los", explica Jorge Pinto.
A mais portátil de todas
A localidade da Gafanha de Aquém, a poucos quilómetros de Aveiro, não testemunhou o nascimento da impressão 3D – até há máquinas importadas à venda em Portugal –, o que não impede a BeeVeryCreative de realçar o pioneirismo do seu produto. Chamam-lhe "possivelmente a mais bela impressora 3D do Mundo", mas mesmo que isso seja uma questão de gosto, a verdade é que o design da BeetheFirst faz com que se destaque das demais.
Com 9,5 quilos e uma pega instalada no topo da estrutura, a BeetheFirst está a ser apresentada como a "primeira impressora 3D desktop" e é bastante mais portátil do que as concorrentes. "Posso levá-la para o meu emprego, para a escola, para o escritório lá de casa ou até para a sala", afirma Francisco Mendes.
A vontade de transformar a impressora numa presença habitual em qualquer domicílio traduziu-se no design, e também no material escolhido para fazer os objetos. "O PLA foi uma opção para termos um produto seguro num ambiente de escritório", garante Jorge Pinto, pois as máquinas que recorrem ao plástico derivado do petróleo como material de impressão "podem ter odores e emitir fumos que não são saudáveis".
Para já, a BeetheFirst tem vindo a ser utilizada em áreas como a joalharia, a arquitetura, a engenharia e tudo o que esteja relacionado com design de produto. "Quem tiver uma ideia pode pô-la em prática", sustenta Francisco Mendes, que vê na elaboração rápida de protótipos a vantagem das impressoras 3D. Algo que está a ser testado através de parcerias com entidades como a Escola Superior de Artes e Design (ESAD) de Matosinhos e o IADE – Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing, de Lisboa.
De Aveiro para o Mundo
A BeetheFirst teve a sua apresentação oficial no Lisboa Design Show, realizado na Feira Internacional de Lisboa, no início de outubro, mas os seus criadores apostaram forte na divulgação internacional. No mês seguinte marcaram presença no 3D Print Show, em Londres, o que serviu para fazer contactos. "Neste momento estamos a fechar contratos de distribuição com vários países da União Europeia", diz Francisco Mendes, crente de que está a participar na mudança de "paradigma de funcionamento" da sociedade.
"É um mercado novo. Não somos os únicos que estamos nele, mas temos a intenção de ficarmos entre os primeiros a nível mundial. Todas as empresas têm de mostrar o seu potencial, porque a impressão 3D é uma maneira nova de pensar, de trabalhar e de viver", acrescenta o engenheiro de eletrónica e telecomunicações.
Isso pode implicar, entre outras coisas, demonstrar aos potenciais clientes o que pode ser feito. No início, quando ainda estavam instalados na incubadora de empresas da Universidade de Aveiro, muitos eram os ‘vizinhos’ que não percebiam. "Era mesmo preciso verem para perceberem o conceito", explica Francisco Mendes, que vê claras mudanças desde então: "Diria que há dois anos ninguém sabia o que era a impressão 3D, há um ano começou a falar-se na impressão 3D e agora começa a saber-se o que é a impressão 3D. Foi uma evolução muito rápida."
Com mais de uma dezena de exemplares da BeetheFirst espalhados pelos dois andares que a empresa ocupa desde o início do verão – também lá se encontra um protótipo, maior e sem o tipo de design que tem chamado a atenção da imprensa especializada –, os dois empreendedores, e a equipa que se lhes juntou, esperam por um regresso aos tempos em que as pessoas faziam brinquedos e utensílios nas oficinas. Só que as ferramentas passam a ser um computador e uma impressora. lD"

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